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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Uniões Homoafetivas: Da Desregulamentação Ao Reconhecimento



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O presente trabalho terá por finalidade apresentar questões referentes às uniões homoafetivas que, a partir da metade do século XX, ganharam novas perspectivas devido ao declínio do modelo de família patriarcal.

Como as uniões homoafetivas não encontram qualquer regulamentação na doutrina brasileira, serão analisadas as possibilidades de reconhecimento dessas uniões no Brasil e a realidade delas em outros países.

A escolha do tema se faz pela necessidade de análise entre os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da não-discriminação e da igualdade como alicerces fundamentais para sustentar uma futura regulamentação dessas uniões.

Primeiramente, há de se apresentar algumas questões sobre união estável. A união estável é reconhecida como entidade familiar somente quando tratar de uniões entre homem e mulher, quando houver convivência entre ambos, sendo essa pública, contínua e duradoura e quando existir o objetivo de constituir família. Portanto, por mais estável que seja a união entre pessoas do mesmo sexo, jamais ela se caracteriza como uma entidade familiar.

A não configuração de família nos casos de uniões homoafetivas é resultante da constatação de que duas pessoas do mesmo sexo não formam um núcleo de procriação humana, não podendo oferecer a conjugação de pai e mãe como em uma união heterossexual. Assim, verifica-se uma absoluta ausência de regulamentação no que se refere às uniões homoafetivas.

Desde a primitividade a homossexualidade esta presente nas mais diversas civilizações e culturas, estando inserida no contexto histórico da própria humanidade. O que norteia a formação das uniões entre pessoas do mesmo sexo é o sentimento, o afeto que, sendo forte o suficiente, enseja a concretização da união.

No plano internacional, verifica-se que as legislações estrangeiras já reconhecem a existência do vínculo afetivo entre pessoas do mesmo sexo, conferindo-lhes os direitos e impondo-lhes os deveres característicos de uma verdadeira entidade familiar. A Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer a união homoafetiva, no ano de 1989. A Suécia aprovou em abril de 2009 o casamento homoafetivo. Já, na Noruega, a lei que regulamenta as uniões entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada em março de 1993. A Islândia, da mesma forma, possui lei que concede os direitos das pessoas casadas às uniões homoafetivas. E o país cujo nível de desenvolvimento revela-se em maior amplitude é a Holanda, pois além de conferir direitos, inseriu em seu ordenamento jurídico o instituto da adoção por casais do mesmo sexo. Na América Latina, Buenos Aires se tornou a primeira cidade a reconhecer a união estável homoafetiva no ano de 2003.

Em contraposição, constata-se, segundo dados da Anistia Internacional, que mais de setenta nações tipificam a homossexualidade como crime e em trinta delas foram verificados abusos aos direitos humanos dos homossexuais.

A maior carga de preconceito em face das uniões homoafetivas advém da Igreja Católica que, seguidora das bases do Cristianismo e dos seus dogmas e preceitos de ordem cristã, admite apenas a família constituída pelo casamento.

No Brasil, conforme o artigo 3º da Constituição Federal*, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, visando a promoção do bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Entretanto, inexiste uma regulamentação que trate de questões referentes às uniões entre pessoas do mesmo sexo e “quando se trata de buscar uma legitimação para as relações homoafetivas, os princípios morais presentes na sociedade não devem ser considerados as premissas maiores, dado o fato de serem carregados de subjetivismos”. (BRITO, 2000, p. 87).

Partindo da premissa que o texto constitucional é muito claro em relação aos direitos e garantias fundamentais do ser humano, verifica-se, em contrapartida, a resistência de um determinado segmento social que impede que a união formada por pessoas do mesmo sexo encontre seu espaço na legislação brasileira, seja em sede constitucional ou infraconstitucional.

Maria Berenice Dias reflete que,

Nada adianta assegurar respeito à dignidade humana e à liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, que não são admitidos preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos da exclusão social, tratamento desigual entre homens e mulheres, enquanto a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se está vivendo em um Estado Democrático de Direito. (DIAS, 2008, p.30)

Percebe-se que a diversidade de sexos é requisito essencial para que se obtenha perante o Estado a merecida proteção, uma vez que, a união estável como entidade familiar só é reconhecida se formada por um homem e uma mulher. Portanto, não há dúvidas de que o tratamento diferenciado pelo fato de alguém direcionar seu interesse sexual a outrem do mesmo sexo, configura uma evidente discriminação à própria pessoa, em função de sua identidade sexual.

A doutrina clássica não vislumbra a hipótese do casamento que não seja realizado entre homem e mulher com finalidades procriativas. Assim, segundo Caio Mário “o casamento é a união de duas pessoas de sexo diferente, realizando uma integração fisiopsíquica permanente.” (PEREIRA, 1979, p. 51).

No Brasil, segundo dados da ONG Gay Lawyers, estima-se que quase 10% da população seja homossexual, ou seja, aproximadamente 16 milhões de pessoas.

Para Roger Raupp Rios (2001, p. 90), na construção da individualidade de uma pessoa, a sexualidade consubstancia uma dimensão fundamental da constituição da subjetividade, alicerce indispensável para a possibilidade do livre desenvolvimento da personalidade. Fica claro, portanto, que as questões relativas à orientação sexual relacionam-se de modo íntimo com a proteção da dignidade da pessoa humana. Esta problemática se revela notadamente em face da homossexualidade, dado o caráter heterossexista e mesmo homofóbico que caracteriza a quase totalidade das complexas sociedades contemporâneas.

Há de se analisar uma interessante abordagem sobre concepções da homossexualidade, destacando quatro perspectivas: pecado, doença, diferenciação e construção social.

Primeiramente, a homossexualidade como pecado está ligada à prática de atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, sendo moralmente reprovável, e religiosamente pecaminosa. Assim, ceder aos prazeres da carne significa abandonar a Deus. O segundo viés da homossexualidade está relacionado à doença. Por esta concepção, os atos são tidos como uma doença que acomete o indivíduo, identificando-o como homossexual, em contraposição a um ser humano normal, chamado de heterossexual. Assim sendo, o que antes era visto como imoral e pecaminoso, agora é doença, e, portanto, passível de tratamento. A homossexualidade como critério de diferenciação surge oriunda das mudanças sociais e econômicas, as quais moldaram a gênese de um grupo específico social denominado homossexual. (RIOS, 2002, p. 99).

Uma das soluções encontradas para resolver os casos concretos de uniões entre pessoas do mesmo sexo é a interpretação da Lei Constitucional que objetiva formar um novo sentido dialético nesse processo. Segundo, Juarez Freitas,

A interpretação sistemática deve ser definida como uma operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos. (FREITAS, 1998, p. 60).

A Constituição Federal, datada de 1988, consagra a existência de um Estado Democrático de Direito. O núcleo do atual sistema jurídico brasileiro é o respeito à dignidade humana. Carlos Frederico Hymalak Pinto (2000, p. 37) afirma que, ainda que em nossa Carta não exista expressamente à proteção do direito à orientação sexual, a discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual constitui precisamente uma hipótese de discriminação.

É indispensável reconhecer que a sexualidade integra a própria condição humana pois “ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sua sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual.” (DIAS, 2004, p. 32).

A homossexualidade trata-se, assim, de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, um direito natural, e acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o próprio gênero humano não se realiza: falta-lhe a liberdade, que é um direito fundamental. Maria Berenice Dias (2004, p. 32) diz que a sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja individualmente, seja genericamente considerada.

Não é possível negar a existência de uniões homoafetivas. Entretanto, na ausência de dispositivo legal sobre o tema a doutrina brasileira tem classificado essas uniões como meras “sociedades de fato”, restando-se a elaboração de um contrato de convivência para regular as ditas sociedades.

A união estável configura um gênero que comporta mais de uma espécie: a união estável heterossexual e a união estável homossexual. Ambas fazem jus à mesma proteção no âmbito do Direito de Família. Enquanto não surgir legislação que trate especificamente da união estável homossexual, há de buscar-se a legislação pertinente aos vínculos familiares, visto que, as regras da união estável heterossexual, por analogia, são perfeitamente aplicáveis às uniões homossexuais.

A posição jurisprudencial, normalmente, antecipa-se à lei, apresentando soluções bastante diversas para os casos relativos à dissolução de uniões homoafetivas e seus efeitos. Apesar de boa parte das decisões julgarem essas uniões no âmbito do direito obrigacional, utilizando-se do instituto da sociedade de fato, já há uma tendência, iniciada pelo Tribunal de Justiça gaúcho, com vistas a reconhecer-lhes o caráter familiar. Nesse sentido, há julgado sustentando a competência das varas especializadas de família para dirimirem as demandas resultantes dessas uniões, bem como para tratar a união estável entre companheiros. (LAVRATTI, 2002, p. 61).

Segundo, Maria Berenice Dias (2003, p. 32), o judiciário gaúcho foi pioneiro em reconhecer as uniões homoafetivas como entidades familiares e inseri-las no âmbito do Direito de Família.

Conforme a Constituição Federal, o ordenamento jurídico brasileiro não criminaliza a prática de atos homossexuais e proíbe a discriminação por orientação sexual. A jurisprudência caminha no sentido do crescente reconhecimento das uniões homoafetivas, mas há um limite que o juiz não pode transpor: o limite da lei. Assim, cabe averiguar como anda a produção legislativa a respeito do tema.

Há inúmeras proposições legislativas em tramitação no Brasil, o que indica a grande preocupação do legislador em coibir a discriminação e o preconceito por motivo de orientação sexual. Diante disso, o governo lançou em 2006 o programa Brasil sem Homofobia, com o objetivo de combater a violência e a discriminação contra homossexuais. O programa apóia projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais que atuam na promoção da cidadania homossexual e no combate à homofobia, além de capacitar profissionais e ativistas que atuam na defesa dessas pessoas.

No decorrer deste trabalho, estudou-se que há um número considerável de pessoas que têm por opção afetiva e sexual o relacionamento com outrem do mesmo sexo. A homossexualidade faz parte da história da humanidade.

Conclui-se que a possibilidade jurídica da união homoafetiva é, sob o ponto de vista jurídico, legítima e, portanto, deve ser protegida pelo Poder Judiciário e por toda a sociedade. Para a concretização desta justiça, é necessário rever o sistema legislativo brasileiro, fazendo uma interpretação mais abrangente da lei e privilegiando os princípios constitucionais vigentes.

A mudança nos costumes é um elemento que influencia os valores presentes em cada civilização. O Direito deve acompanhar as transmutações ocorridas e, em favor delas, afastar o preconceito e criar leis em nível de compatibilidade com os reais interesses da sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2000.

DIAS, Maria Berenice. Direito à diferença, Revista Jurídica Areópago da Faculdade Unifaimi, Ano I. 3ª Ed. São Paulo: Unifaimi, 2008.

____, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

____, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

LAVRATTI, Viviane. A união homossexual no âmbito da atual concepção de família. Porto Alegre: Monografia (graduação em Direito) PUCRS, 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1979.

PINTO, Carlos Frederico Hymalak. As perspectivas jurídicas das relações homossexuais. Porto Alegre: Unisinos, 2000.

RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. 1ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

____, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.



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